A exposição “Ecos do Silêncio” de Somayeh Gholami constitui um diálogo visual entre tradição e contemporaneidade, entre o Oriente e o Ocidente, entre a palavra e o silêncio. Nascida em Shiraz, Irão, em 1981, e a viver em Portugal desde 2009, Gholami é doutorada em Matemática Aplicada pela Universidade de Coimbra e mestre em caligrafia pela Sociedade de Calígrafos do Irão, reunindo assim uma rara convergência entre rigor científico e sensibilidade artística.
O percurso de Somayeh Gholami é marcado por uma intensa dedicação à caligrafia persa, tendo apresentado o seu trabalho em exposições individuais e coletivas, bem como em workshops e palestras em Portugal, no Irão e noutros países. A sua obra destaca-se pela capacidade de criar uma linguagem visual própria, onde a imaginação se manifesta em composições que exploram forma, cor e textura para transmitir conceitos que transcendem a mera legibilidade.
No centro desta exposição está a exploração da caligrafia cúfica, um dos estilos mais antigos do alfabeto árabe, reconhecido pelas suas formas geométricas marcantes e pelo equilíbrio entre linhas verticais e horizontais.
Gholami reinterpreta o cúfico numa perspetiva contemporânea, fundindo-o com a fluidez das letras árabes conectadas, numa busca que ultrapassa o significado literal das palavras para mergulhar na abstração e no poder visual
da forma.
Como refere a própria artista:
“Estas obras não são para ser lidas, mas para serem sentidas. Convidam o espectador a olhar, a pausar e a perder-se no silêncio entre as letras — um espaço onde história, espiritualidade e expressão contemporânea se
encontram.”
Análise das Obras Expostas Nas imagens apresentadas, observa-se a utilização de aguarelas e tintas que criam fundos vibrantes, onde o azul e o vermelho evocam emoções e atmosferas diversas. O traço caligráfico, preciso e elegante, desenha-se sobre estas manchas de cor, sugerindo uma tensão entre o acaso do gesto pictórico e o rigor geométrico da caligrafia.
Algumas composições exploram a repetição modular de formas caligráficas, criando padrões quase matemáticos, reminiscência do percurso académico da artista na matemática aplicada. Esta abordagem remete para a tradição islâmica da arte ornamental, mas aqui é reapropriada como exercício de abstração visual e de ritmo gráfico.
As linhas caligráficas flutuam sobre aguarelas azuis e vermelhas, com amplos espaços em branco entre os traços. O olhar é conduzido tanto pelas formas quanto pelos vazios, sugerindo um diálogo entre presença e ausência.
A disposição das letras e palavras, por vezes ilegíveis, convida o espectador a experienciar o vazio e o silêncio entre os signos. Este espaço negativo torna-se protagonista, ecoando o título da exposição e sugerindo que o silêncio — aquilo que não é dito — é também portador de significado.
Nas obras apresentadas, o espaço entre as letras não é um mero intervalo, mas sim um campo ativo de silêncio e potencialidade. Este espaço negativo serve como pausa visual, criando ritmos e respirações que guiam o olhar do espectador.
Ao distanciar-se da legibilidade convencional, Gholami aproxima-se da abstração, permitindo que o vazio entre os traços caligráficos
se torne um lugar de introspeção e escuta interior.
O uso do dourado em algumas obras remete para a tradição dos manuscritos iluminados, evocando uma dimensão espiritual e simbólica.
Os pequenos losangos azuis pontuam a composição, sugerindo pontos de respiração ou pausa, reforçando a ideia de silêncio e contemplação.
A exposição é também um testemunho do percurso biográfico de Gholami, que se move entre culturas, línguas e tempos. O seu trabalho é um exercício de escuta:
escuta do passado e das tradições herdadas, mas também do presente e do contexto em que vive. Cada linha caligráfica é um eco da sua identidade múltipla, um gesto de pertença e de reinvenção.
Conclusão: O Silêncio como Ponte “Ecos do Silêncio” propõe uma experiência estética e sensorial, onde o espectador é convidado a escutar o silêncio das formas, a sentir o peso e a leveza das linhas, a perder-se no espaço entre as letras. Através da fusão entre tradição e inovação, ciência e arte, palavra e silêncio, Somayeh Gholami constrói pontes entre mundos, oferecendo-nos não apenas uma exposição, mas um convite à contemplação e ao diálogo interior.
